Páginas

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Geo-Engenharia

Este mês de dezembro foi repleto de discussões sobre os efeitos do aquecimento global,  em virtude principalmente da COP15. Foi o tema dominante em jornais, televisões e na blogosfera. O que me chamou atenção entretanto foram os comentários de 02 pesquisadores americanos Erle C. Ellis e Peter Hall (Eos, Vol. 90, No. 49, 8 dezembro 2009 - Earth Science in the Anthropocene: New Epoch, New Paradigm, New Responsibilities): as atividades humanas e as tecnologias exerceram uma influência tão grande no planeta que ultrapassaram aquele ponto em que não representam apenas uma mera interferência nos processos naturais. O sistema humano (a Antroposfera - Human System) emergiu assim como um dos principais sistemas terrestres (Earth Systems). Entender a natureza não é mais o bastante. Torna-se necessário agora entender também como o sistema humano funciona e como ele interage com e controla os outros sistemas terrestres. Focar apenas nos sistemas "naturais" sem a presença do Homem tornou-se uma abordagem obsoleta. Os sistemas humanos introduziram uma série de processos inteiramente novos aos sistemas terrestres tais como a extração e a queima de combustíveis fósseis, além de direcionar a evolução de espécies incapazes de se reproduzir sem a ajuda humana, incluindo ainda a irrigação e a introdução de nutrientes nos solos. Será que este quadro tem condição de ser revertido? Dificilmente, principalmente considerando-se o aumento da população (9,2 bilhões de pessoas em 2050).


Surge agora um novo conceito, a Geo-Engenharia, um termo para designar "a manipulação em larga escala do ambiente pelo homem de modo a produzir uma mudança ambiental, particularmente para contrabalançar efeitos indesejáveis de outras atividades humanas" (siga este link para mais detalhes sobre Geo-Engenharia).



Geo-Engenharia - "a manipulação em larga escala do ambiente pelo homem de modo a produzir uma mudança ambiental, particularmente para contrabalançar efeitos indesejáveis de outras atividades humanas". Fonte: http://www.etcgroup.org/en/node/4966



Representação esquemática de algumas propostas de geo-engenharia para diminuição do CO2 na atmosfera (Fonte: Nature 409, 417-421 (18 janeiro 2001) | doi:10.1038/35053203: Earth systems engineering and management)


Embora o termo tenha sido utilizado com mais freqüência no contexto das mudanças climáticas, creio que pode ser aplicado a várias outras situações, como mostram os exemplos abaixo.

Proposta de criação artificial  de 02 novos sub-deltas do Mississippi, laterais ao canal principal do rio, por meio do rompimento controlado dos diques marginais, em Breton sound e Barataria bay. Objetivo: fazer frente à perda de áreas no delta, devido à subida do nivel do mar e a compactação dos sedimentos. (Fonte: EOS, TRANSACTIONS, AMERICAN GEOPHYSICAL UNION. VOLUME 90 (42): 373–374. Is It Feasible to Build New Land in the Mississippi River Delta? W. Kim, D. Mohrig, R. Twilley, C. Paola, e G. Parker. 2009).



Projeto de Magnus Larsson que deseja transformar dunas do deserto africano em estruturas habitáveis utilizando apenas areia e bacterias (Bacillus pasteurii) para solidifica-las. Veja este link para maiores detalhes


Uma palestra do próprio Larsson, apresentando detalhes do seu projeto pode ser acompanhada abaixo:



Isto sem falar nos mega-projetos de restauração de praias, ou de grandes aterros hidráulicos como os de Dubai. Ou até mesmo paises como a Holanda, que praticamente foram conquistados ao mar (7.000 km2, ou 1/5 do país resultam de intervenções de engenharia).






Como já observava Bill McKibben no seu famoso livro "End of Nature": "Nós viviamos em um mundo que achavamos feito para nós, porém agora nós é que construimos aquele mundo".


As escrituras afinal estavam certas: "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra. Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra". 


Cumprimos as ordens divinas, enchemos o planeta e o sujeitamos.


Feliz Ano Novo a todos os que tem acompanhado o Blog.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Erupção Vulcânica Submarina

Imagem e  filmagem espetaculares de uma erupção submarina, divulgadas ontem pela National Science Foundation do "West Mata Volcano". A erupção foi descoberta em maio passado a uma profundidade de 1200 metros no Oceano Pacífico em uma área limitada por Fiji, Tonga e Samoa (Créditos: National Science Foundation and National Oceanic and Atmospheric Administration). Divirtam-se pois são realmente muito interessantes



Explosão com arremesso de cinza vulcânica e rocha, com lava brilhando abaixo. Credito: NSF/NOAA




Para mais informações acesse este link

domingo, 13 de dezembro de 2009

Mega-inundações

Nos últimos anos tem aparecido na literatura uma grande variedade de trabalhos sobre mega-inundações não só na Terra como em outros planetas como Marte. No exemplar de 10/12/2009, da Nature saiu um trabalho sobre a inundação catastrófica do Mediterrâneo após o Messiniano. Como é sabido, o Mar Mediterrâneo evaporou ao final do Mioceno (5,6 milhões de anos atrás) devido ao fechamento do precursor do Estreito de Gibraltar. Kenneth Hsu escreveu um pequeno e interessante livro a respeito, que li faz uns vinte anos atrás. 

Alguns consideram este livro como sendo um dos mais influentes e significativos livros de ciência do século 20.
A re-inundação do Mediterrâneo, no Zancleano (5, 3 milhões de anos atrás - início do Plioceno) pelas águas do Oceano Atlântico foi um evento catástrófico, descrito no trabalho recente de Garcia-Castellanos e colaboradores. Segundo eles no inicio da inundação a descarga através do Estreito de Gibraltar era 3 ordens de magnitude daquela do Rio Amazonas hoje, alcançando velocidades de até 40m/s (140km/h). As taxas de incisão foram maiores que 0,4m por dia. 90% do volume de água que preenche o Mediterrâneo teria sido transferido em um intervalo de tempo que durou de alguns poucos meses até 2 anos. As taxas de subida do nível do mar foram da ordem de mais de 10m/dia. 500 km cúbicos de rocha foram erodidas no Estreito de Gibraltar durante este evento.

O Mar Mediterrâneo e o estreito de Gibraltar

Estreito de Gibraltar - Batimetria de Detalhe. Fonte: Ifremer


O período Quaternário foi pródigo em mega-inundações, durante a transição dos períodos glaciais-interglaciais. Algumas das mais famosas e catastróficas foram a do Lago Missoula (a mais controversa) e a do Canal da Mancha (English Channel), talvez a mais divulgada nestes tempos de internet.


Lago Missoula e as "Channeled Scablands" - por volta de 15.000 anos atrás as geleira canadenses avançaram para o sul e represaram o rio Clarke Fork criando o Lago Missoula, que alcançou uma área de 7.500 km2 e uma elevação de cerca de 1.295m . O volume total de água armazenada atingiu cerca de 2200km cúbicos.

Reconstrução paleogeográfica da extensão dos lençois de gelo, do lago Missoula e da área afeta pela mega-inundação (Fonte: http://nwcreation.net/articles/missoulaflood.htm). Veja também, figura abaixo para legenda



Paleo-linhas de costa do lago Missoula. Fonte: http://earthweb.ess.washington.edu/EPIC/Geologic/Missoula/index.htm


Quando esta represa de gelo se rompeu o lago Missoula foi rapidamente esvaziado. As velocidades de escoamento alcançaram até 100km/hr e as descargas atingiram até 17 milhões de metros cúbicos por segundo (para fins de comparação a descarga média do Amazonas é 200 mil metros cúbicos por segundo. Esta mega-inundação escavou canais com quase 200 metros de profundidade e até 30km de largura, ainda hoje preservados na região chamada de Channeled Scablands  Marcas de corrente (" ripples") gigantescas constituidas de cascalho, com altura e comprimento de onda médios de 4 m  e 82 m respectivamente se formaram. Do mesmo modo canyons e cachoeiras (como a "Dry Falls" ) se desenvolveram rapidamente.




Foto aérea mostrando ondulações ("ripples") de cascalho formadas durante a inundação. Fonte: http://geology.mines.edu/faculty/Klee/Missoula.html

Foto de campo das marcas de ondulação de cascalho. Fonte: http://geology.mines.edu/faculty/Klee/Missoula.html

Foto de campo das marcas de ondulação de cascalho (reparem na estrada para escala). Fonte: http://earthweb.ess.washington.edu/EPIC/Geologic/Missoula/index.htm

Dry Falls - a maior cachoeira seca do mundo (117 m de altura), esculpida durante a inundação. Fonte: http://geology.mines.edu/faculty/Klee/Missoula.html


Canal da Mancha - este canal separa a Inglaterra da França e teria sido escavado por duas mega-inundações catastróficas resultantes do esvaziamento de lagos glaciais na área onde hoje é o sul do Mar do Norte. Esta descoberta resultou de levantamentos sonográficos multifeixe que permitiram uma visualização detalhada do fundo marinho. Gupta et al (2007) encontraram nestes registros batimétricos  feições indicativas de eventos de inundação catastróficas. O Canal da Mancha começou a se formar por volta de 450.000 anos atrás durante a primeira grande extensão dos lençois de gelo pela Europa Central (veja figura abaixo). Esta expansão bloqueou os rios que desaguavam no Mar do Norte, originando um lago glacial represado por uma pequena faixa de terra ligando a Inglaterra e a França (o estreito de Dover). 

Lago glacial formado na porção sul do Mar do Norte por volta de 450.000 anos atrás (Fonte: Gibbard 2007)


Quando esta barreira foi ultrapassada o lago começou a transbordar e o fluxo tornou-se rapidamente torrencial escavando o canal da Mancha. Este processo se repetiu 200.000 anos mais tarde. 

O paleo-rio da Mancha durante o último máximo glacial (20.000 anos atrás). Este paleo-rio se formou após dois episódios de mega-inundação. (Fonte: Gibbard 2007)

Canais do antigo rio da Mancha (em cinza) mapeados com batimetria multi-feixe. (Fonte: Gupta et al. 2007)

Detalhe do retângulo da figura anterior, mostrando a batimetria do fundo do canal da Mancha, com as feições fluviais mapeadas (Fonte: Gupta et al. 2007)


Reconstrução artística do paleo-rio da Mancha durante a mega-inundação. Ao fundo as famosas falésias brancas de Dover (Fonte: http://www.qpg.geog.cam.ac.uk/research/projects/englishchannelfloods/
Assim, durante periodos de nivel de mar baixo o rio da Mancha,  direcionou mais da metade das descargas fluviais da Europa Ocidental diretamente para o Oceano Atlântico. Estas mudanças na paleogrografia tiveram importantes conseqüências nas migrações humanas e animais, resultando no empobrecimento da biota britânica durante periodos de nivel de mar alto, como hoje. Abaixo vocês podem assistir a palestra de Philip Gibbard: How Britain became and island






E nós aqui no Brasil? O Brasil encontra-se distantes dos lençóis de gelo, portanto nada de lagos glaciais represados para serem rompidos e gerarem mega-inundações. Entretando, nós também experimentamos os efeitos da mega-inundação da passagem do Pleistoceno para o Holoceno, resultante do derretimento dos lençóis de gelo e que num intervalo de tempo de pouco mais de 10.000 anos resultou na elevação do nivel do mar em cerca de 120m, inundando as plataformas continentais de todo o mundo, com taxas que em alguns periodos ultrapassaram 2m/século. 


Ainda não temos as facilidades para realizar levantamentos batimétricos multi-feixe e temos que contar com as cartas batimétricas da Marinha do Brasil. A imagem abaixo, mostra o fundo atual da Baia de Todos os Santos e foi gerada a partir destes dados batimétricos.  Mostra a paleogeografia aproximada desta região durante o Último Máximo Glacial (20.000 anos atrás) (veja também esta postagem). É o nosso paleo-rio Paraguaçu. Estamos agora estudando a história da mega-inundação holocênica do rio Paraguaçu que resultou na formação da Baía de Todos os Santos. Muito em breve teremos alguns dados novos para mostrar.



Paleogeografia da Baía de Todos os Santos durante o Último Máximo Glacial (Dominguez & Bittencourt 2009. Use este link para download da cópia do trabalho)


Alguns links de interesse:
http://iceagefloods.blogspot.com/
http://geology.mines.edu/faculty/Klee/Missoula.html
http://scienceblogs.com/highlyallochthonous/2009/06/the_lake_missoula_megafloods.php
http://www.pbs.org/wgbh/nova/megaflood/fantastic.html
http://www.qpg.geog.cam.ac.uk/research/projects/englishchannelfloods/

sábado, 5 de dezembro de 2009

Paisagem do Fundo Marinho da Bacia de Campos

A impressionante imagem abaixo representa a paisagem do fundo marinho da Bacia de Campos.
Este modelo digital do relevo marinho é resultado da integração de dados de 37 projetos sísmicos 3D e de 12 levantamentos de batimetria multi-feixe e foi preparado pelo Grupo de Geologia Marinha da Petrobrás.

Fonte: Modelo digital da geomorfologia do fundo oceânico da Bacia de Campos. Autores: Simone Schreiner, Mariana Beatriz Ferraz Mendonça de Souza e Joana Paiva Robalo Migliorelli. B. Geoci. Petrobras, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 157-160, nov. 2007/maio. 2008. (link)
"A margem continental da Bacia de Campos apresenta uma geomorfologia em grande parte controlada pela tectônica salífera subjacente e pela geometria deposicional do Mioceno Superior. Sua construção resulta das variações do nível do mar , da atuação de correntes de contorno, da remobilização de sedimentos, da geologia estrutural e da implantação de sistemas turbidíticos associados a sistemas fluviais no continente. Por meio de uma sistemática de amostragem e datação do fundo marinho, através de piston cores, constatou-se que esta geomorfologia representa uma visão do final do Pleistoceno, e que a elevação do nível do mar durante o Holoceno interrompeu a quase totalidade dos processos atuantes na área" (trecho do texto de Schreiner et al 2008)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Paisagens

A motivação para esta postagem se origina de um livro/relatório recentemente publicado pela National Academy of Sciences intitulado "Landscapes on the Edge: New Horizons for Research on Earth's Surface"




Relatório lançado em novembro 2009 pela Academia Nacional de Ciências Americana

Processos químicos, físicos, biológicos e humanos constantemente remodelam a superfície da Terra. Este relatório estabeleceu 09 desafios fundamentais a serem perseguidos, no estudo das paisagens:


1. O que o passado do nosso planeta nos informa sobre o seu futuro?
2. Como as paisagens do planeta se formam e o que elas nos dizem sobre os processos terrestres?
3. Como as paisagens do planeta registram o clima e a tectônica da Terra?
4. Como as reações biogeoquímicas na superficie da Terra respondem a e modelam as paisagens terrestres?
5. Quais as leis de transporte que governam a evolução da superfície terrestre?
6. Como os ecossistemas e paisagens co-evoluem?
7. O que controla a resiliência das paisagens às mudanças?
8. Como a superfície da Terra irá evoluir durante o Antropoceno?
9. Como as geociências podem contribuir para a manutenção de uma superfície terrestre sustentavel?


Antigamente o estudo das paisagens era uma espécie de predicamento da Geomorfologia, que os geógrafos consideravam como uma sub-disciplina da seu campo de atuação. Hoje é uma atividade que não pode mais ficar restrita a um único campo disciplinar. Os progressos recentes no estudo das paisagens resultaram da introdução de novas tecnologias como traços de fissão, isótopos cosmogênicos (Berilio-10), modelos numéricos do terreno detalhados como o STRM (Shuttle Radar Topography Mission), o LIDAR (LIght Detection and Ranging) e a batimetria multi-feixe dentre outros. Estas novas tecnologias permitiram analizar as paisagens terrestres e marinhas e seus processos com um nível de detalhe nunca antes alcançado. Vejam alguns exemplos abaixo.

Observem o incrivel nível de detalhe deste MNT (produzido com LIDAR ) de um rio meandrante cortando paleo-linhas de costa (Fonte: link)



Modelo Numérico do Terreno SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) para o Delta do Rio Doce (ES-Brasil). As principais feições da planície deltáica são prontamente reconhecidas pela sua elevação (áreas em azul são as mais baixas, em verde escuro-cinza as mais altas)


Os modelos númericos do terreno SRTM resultaram em uma série de novas abordagens para o estudo das paisagens terrestre. Um exemplo baiano: na cidade de Salvador descobrimos uma falha, batizada de Falha do Iguatemi, até então não mapeada usando o MNT SRTM (veja abaixo). A descoberta desta falha serviu inclusive de motivação para re-avalição do mapeamento geológico da cidade.






Modelo Numérico do Terreno de Salvador mostrando a Falha do Iguatemi. Os tons de marron representam as áreas mais altas, o verde claro as áreas mais baixas. (Para o trabalho completo use este Link).


Modelos numéricos e imageamentos fotográficos de detalhe, agora estão disponíveis para outros planetas como Marte e Venus, possibilitando inferências sobre a evolução das paisagens nestes planetas, seus processos e sua história tectônica.



Marte: Valles Marineris iniciou sua formação ao longo de falhas geológicas cerca de 3.5 bilhões de anos atrás. Posteriormente deslizamentos e ação da água resultaram no alargamento do vale inicial. Fonte: NASA



Ravinas na superficie de Marte. Observar os blocos soltos de rocha sobre o terreno (Fonte HIRESE-Universidade do Arizona)



Marte: interior de uma cratera de impacto na região conhecida como Meridiani Planum, preenchida por rochas sedimentares depositadas pela ação da água e do vento, que foram posteriormente erodidas, fazendo aflorar o acamamento das rochas. Observar as dunas ativas. (Fonte: HIRESE-Universidade do Arizona)



Marte: Dunas ativas no fundo de uma cratera de impacto (Fonte: HIRESE-Universidade do Arizona)


Na geologia marinha, a popularização dos levantamentos multi-feixe, resultou na produção de modelos numéricos do terreno dos fundos marinhos extremamente detalhados, os quais quando combinados com os dados da intensidade da reverberação acústica, revolucionaram o mapeamento destas regiões e dos habitats associados, assim como a compreensão dos processos atuantes no seu modelado.



Batimetria Muitifeixe da região de La Jolla, California, integrada a área continental (Fonte: Dartnell, Peter, Normark, William R., Driscoll, Neal W., Babcock, Jeffrey M., Gardner, James V., Kvitek, Rikk G., and Iampietro, Pat J., 2007, Multibeam bathymetry and selected perspective views offshore San Diego, California: U.S. Geological Survey Scientific Investigations Map 2959, 2 sheets. http://pubs.usgs.gov/sim/2007/2959).


Paisagens compreendem as feições visiveis da superficie terrestre (continentes + oceanos), incluindo o relevo, os elementos vivos e outros elementos abstratos como o som, a iluminação, o clima e os elementos humanos. Nos oceanos onde a penetração da luz é deficiente, o som é por assim dizer a principal fonte de "iluminação". Isto diz respeito não só às técnicas de imageamento do fundo do mar, onde a tecnologia é baseada nas ondas sonoras, como também para os próprios organismos marinhos que utilizam ativamente as ondas sonoras. Fala-se inclusive em uma paisagem sonora (soundscape) que auxilia larvas de organismo recifais a localizarem os recifes com base no "coro" emitido pelos mesmos (vejam o trabalho recente de R. Fay: Soundscapes and the sense of hearing of fishes).


O conhecimento detalhado das paisagens foi extremamente importante para os nossos ancestrais, que nela viviam inseridos, e que dela dependiam para a sua sobrevivência. Hoje nossa relação com as paisagens é fotográfica. Não vivemos mais inseridos nelas, mas fora. Entretanto, a compreensão do significado das paisagens (terrestres, marinhas, planetárias, sonoras etc), seus processos e seus recursos, volta a ser mais uma vez fundamental para a sustentabilidade do planeta e da nossa sobrevivência futura.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sulfetos Maçicos Marinhos - Uma Nova Corrida do Ouro

Nas décadas de 60 e 70 do século passado surgiu um grande interesse na explotação dos nódulos polimetálicos (nódulos de manganês) que ocorrem principalmente nas planícies abissais oceânicas. No final da década de 70, com a descoberta das primeiras fumorolas ("hydrothermal vents") associadas aos riftes das cadeias meso-oceânicas e as acumulações de sulfetos maciços associadas, uma verdadeira revolução aconteceu,  não só no campo da geologia, como também da biologia marinha com a descoberta deste novo tipo de ecossistema, com grande proliferação de vida que independe completamente da luz solar e floresce em condições ambientais extremamente adversas de pressão, química da água e temperatura.

Alguns dos organimos que vivem associados às fumarolas.  Foto:  Stephen Low Productions. 
Os depósitos de sulfetos maciços associados a estas fumarolas se formam como resultado de reações químicas associadas ao processo de lixiviação das rochas da cadeia meso-oceânica por água do mar aquecida. Os fluidos gerados, que podem alcançar temperaturas de até 400 graus centígrados, ao emergirem no fundo do mar, encontram água fria que causa a precipitação dos sulfetos metálicos próximo ou sobre a superfície do fundo marinho (ver abaixo).

Esquema de formação dos depósitos de sulfetos maçicos. Fonte: Wikipedia

Depósitos de sulfetos maçicos. Foto: Maurice Tivey e WHOI Deep Submergence Lab

Depósitos de sulfetos maçicos. Foto: Daniel Desbruyères. French ROV Victor 6000 sampling black smokers.
Na realidade muitos dos depósitos de sulfetos maciços explorados em terra tiveram uma origem parecida. É o caso dos depósitos de sulfeto do ofiolito de Troodos, na ilha de Chipre, um fragmento da crosta oceânica,  considerado o mais completo e preservado em todo mundo. Esta ocorrência inclui até fósseis de comunidades associadas às fumarolas do Cretáceo superior.  A evolução política, cultural, social e histórica da ilha de Chipre está intimamente associada à explotação do cobre, desde os tempos do império romano. A palavra cobre, do latim Cuprum, deriva de cuprium,  que significa Cipriota. 

Ilha de Chipre

Mina de Skouriotissa - Ilha de Chipe (Fonte: Google Earth).
Retornando ao fundo do mar: os depósitos de sulfetos maçicos marinhos podem alcançar elevadas concentrações de cobre, ouro, prata, zinco, chumbo e ferro, daí o interesse despertado. Existem 03 companhias (Nautilus Minerals, Neptune Minerals e Bluewater Metals Pty) que possuem licenças de exploração em áreas da Zona Econômica Exclusiva (ver este post). A empresa que mais avançou neste sentido foi a Nautilus (já tem até Estudo de Impacto pronto - para acessar use este link)
A Nautilus  Minerals tem atuado no Mar de Bismarck (em frente à Nova Guiné) e anunciou no inicio de deste mês novas descobertas na região (link). O Mar de Bismarck (uma bacia de back-arc) é particularmente atraente porque as ocorrências estão a menos de 2000m de profundidade e dentro da ZEE da Nova Guiné. Desta foram evitam-se os problemas da exploração em águas sob jurisdição internacional. Estima-se que 1 metro cúbido destes sulfetos na região deve valer em torno de US$2.000,00.

Localização dos prospectos da Nautilus Minerals (Fonte: Nautilus Minerais)

Seção esquemática de Solwara 1, um dos depósitos pesquisados pela Nautilus minerais (para localização veja mapa acima) (Fonte: Nautilus Minerais)


A viabilização da explotação destes sulfetos só se tornou possível devido ao estágio tecnológico atual das indústrias de óleo e gás em águas profundas e da indústria de dragagem em conseqüência do desenvolvimento de grandes projetos como aqueles em Dubai. 

Esquema mostrando como será a explotação, no fundo do mar, dos sulfetos maçicos. Fonte: Nautilus Minerals
Assistam a animação abaixo de como será o processo de explotação e vejam como as coisas já estão adiantadas.

Considerando que a crosta oceânica foi gerada ao longo da cadeia meso-oceânica e submetida portanto a processos semelhantes aos descritos acima, alguns bilhões de toneladas de sulfetos estariam presentes nas bacias oceânicas. O esgotamento das jazidas mais facilmente explotáveis no continente, associado ao aumento das restrições ambientais, vai tornar cada vez mais atraente a explotação submarina, que pode até mesmo se tornar mais barata, pois muito da infra-estrutura necessária em área emersas  (p. ex. estradas) é dispensável em áreas submersas.


Li em algum lugar outro dia que as profissões necessárias daqui a 10 anos ainda nem começaram a ser ensinadas nas Universidades hoje.  É o caso das equipes de profissionais que vão tocar projetos como estes, não só no que diz respeito às atividades de exploração e explotação, mas também todas as atividades relacionadas aos aspectos ambientais, legais e de remediação. 


Além disso será que em breve não será necessária a criação de unidades de conservação em algumas destas áreas (p.ex. parques marinhos) para proteger as comunidades das fumarolas? O fato é que o que antes parecia improvável, agora já é quase uma certeza. Começou uma nova corrida do ouro, desta vez no fundo dos oceanos.