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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Paisagens

A motivação para esta postagem se origina de um livro/relatório recentemente publicado pela National Academy of Sciences intitulado "Landscapes on the Edge: New Horizons for Research on Earth's Surface"




Relatório lançado em novembro 2009 pela Academia Nacional de Ciências Americana

Processos químicos, físicos, biológicos e humanos constantemente remodelam a superfície da Terra. Este relatório estabeleceu 09 desafios fundamentais a serem perseguidos, no estudo das paisagens:


1. O que o passado do nosso planeta nos informa sobre o seu futuro?
2. Como as paisagens do planeta se formam e o que elas nos dizem sobre os processos terrestres?
3. Como as paisagens do planeta registram o clima e a tectônica da Terra?
4. Como as reações biogeoquímicas na superficie da Terra respondem a e modelam as paisagens terrestres?
5. Quais as leis de transporte que governam a evolução da superfície terrestre?
6. Como os ecossistemas e paisagens co-evoluem?
7. O que controla a resiliência das paisagens às mudanças?
8. Como a superfície da Terra irá evoluir durante o Antropoceno?
9. Como as geociências podem contribuir para a manutenção de uma superfície terrestre sustentavel?


Antigamente o estudo das paisagens era uma espécie de predicamento da Geomorfologia, que os geógrafos consideravam como uma sub-disciplina da seu campo de atuação. Hoje é uma atividade que não pode mais ficar restrita a um único campo disciplinar. Os progressos recentes no estudo das paisagens resultaram da introdução de novas tecnologias como traços de fissão, isótopos cosmogênicos (Berilio-10), modelos numéricos do terreno detalhados como o STRM (Shuttle Radar Topography Mission), o LIDAR (LIght Detection and Ranging) e a batimetria multi-feixe dentre outros. Estas novas tecnologias permitiram analizar as paisagens terrestres e marinhas e seus processos com um nível de detalhe nunca antes alcançado. Vejam alguns exemplos abaixo.

Observem o incrivel nível de detalhe deste MNT (produzido com LIDAR ) de um rio meandrante cortando paleo-linhas de costa (Fonte: link)



Modelo Numérico do Terreno SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) para o Delta do Rio Doce (ES-Brasil). As principais feições da planície deltáica são prontamente reconhecidas pela sua elevação (áreas em azul são as mais baixas, em verde escuro-cinza as mais altas)


Os modelos númericos do terreno SRTM resultaram em uma série de novas abordagens para o estudo das paisagens terrestre. Um exemplo baiano: na cidade de Salvador descobrimos uma falha, batizada de Falha do Iguatemi, até então não mapeada usando o MNT SRTM (veja abaixo). A descoberta desta falha serviu inclusive de motivação para re-avalição do mapeamento geológico da cidade.






Modelo Numérico do Terreno de Salvador mostrando a Falha do Iguatemi. Os tons de marron representam as áreas mais altas, o verde claro as áreas mais baixas. (Para o trabalho completo use este Link).


Modelos numéricos e imageamentos fotográficos de detalhe, agora estão disponíveis para outros planetas como Marte e Venus, possibilitando inferências sobre a evolução das paisagens nestes planetas, seus processos e sua história tectônica.



Marte: Valles Marineris iniciou sua formação ao longo de falhas geológicas cerca de 3.5 bilhões de anos atrás. Posteriormente deslizamentos e ação da água resultaram no alargamento do vale inicial. Fonte: NASA



Ravinas na superficie de Marte. Observar os blocos soltos de rocha sobre o terreno (Fonte HIRESE-Universidade do Arizona)



Marte: interior de uma cratera de impacto na região conhecida como Meridiani Planum, preenchida por rochas sedimentares depositadas pela ação da água e do vento, que foram posteriormente erodidas, fazendo aflorar o acamamento das rochas. Observar as dunas ativas. (Fonte: HIRESE-Universidade do Arizona)



Marte: Dunas ativas no fundo de uma cratera de impacto (Fonte: HIRESE-Universidade do Arizona)


Na geologia marinha, a popularização dos levantamentos multi-feixe, resultou na produção de modelos numéricos do terreno dos fundos marinhos extremamente detalhados, os quais quando combinados com os dados da intensidade da reverberação acústica, revolucionaram o mapeamento destas regiões e dos habitats associados, assim como a compreensão dos processos atuantes no seu modelado.



Batimetria Muitifeixe da região de La Jolla, California, integrada a área continental (Fonte: Dartnell, Peter, Normark, William R., Driscoll, Neal W., Babcock, Jeffrey M., Gardner, James V., Kvitek, Rikk G., and Iampietro, Pat J., 2007, Multibeam bathymetry and selected perspective views offshore San Diego, California: U.S. Geological Survey Scientific Investigations Map 2959, 2 sheets. http://pubs.usgs.gov/sim/2007/2959).


Paisagens compreendem as feições visiveis da superficie terrestre (continentes + oceanos), incluindo o relevo, os elementos vivos e outros elementos abstratos como o som, a iluminação, o clima e os elementos humanos. Nos oceanos onde a penetração da luz é deficiente, o som é por assim dizer a principal fonte de "iluminação". Isto diz respeito não só às técnicas de imageamento do fundo do mar, onde a tecnologia é baseada nas ondas sonoras, como também para os próprios organismos marinhos que utilizam ativamente as ondas sonoras. Fala-se inclusive em uma paisagem sonora (soundscape) que auxilia larvas de organismo recifais a localizarem os recifes com base no "coro" emitido pelos mesmos (vejam o trabalho recente de R. Fay: Soundscapes and the sense of hearing of fishes).


O conhecimento detalhado das paisagens foi extremamente importante para os nossos ancestrais, que nela viviam inseridos, e que dela dependiam para a sua sobrevivência. Hoje nossa relação com as paisagens é fotográfica. Não vivemos mais inseridos nelas, mas fora. Entretanto, a compreensão do significado das paisagens (terrestres, marinhas, planetárias, sonoras etc), seus processos e seus recursos, volta a ser mais uma vez fundamental para a sustentabilidade do planeta e da nossa sobrevivência futura.

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