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segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Civilização Existe por Consentimento Geológico - Sujeito a Mudanças sem Aviso Prévio


"Civilization exists by geological consent, subject to change without notice". Está fase é atribuída ao historiador americano Will Durant, embora eu não a tenha encontrado do seu famoso livro Lições da História. De qualquer maneira ela me veio a mente com as notícias de que a atividade vulcânica na Islândia, acabou interrompendo o trafego aéreo em boa parte do norte da Europa. 

Erupção do vulcão Eyjafjallajokull, na Islândia (Fonte: The Washington Post)
Imagem do Vulcão Eyjafjallajokull adquirida em 17/04/2010. Fonte: Earth Observatory
Esta é uma imagem do tráfego aéreo mundial. Observe a itensidade do tráfego sobre a Europa (para ver o filme completo use este link)

Este é um pequeno clipe com uma simulação mostrando o comportamento da pluma de cinzas emanada pelo vulcão Eyjafjallajokull (Atmosphere and Climate Department, NILU, Norway)
A Islândia é na realidade um pedaço da cadeia meso-oceânica (região onde nova litosfera é formada) que aflora sub-aereamente. Um bom resumo sobre a geologia desta ilha pode ser encontrada no site: Introduction to the Geology of Iceland do geólogo Tobias Weisenberger, de onde retirei o mapa geológico abaixo. 

 Modelo Numérico do Terreno Mostrando a localização da Islândia (seta preta)
Detalhe do Relevo da Islândia (a seta vermelha indica o vulcão Eyjafjallajokull, que entrou em erupção)
 Mapa gravimétrico e feições tectônicas nas vizinhanças da Islândia (Fonte: Hey, R., F. Martinez, Á. Höskuldsson, and Á. Benediktsdóttir (2010), Propagating rift model for the V‐shaped ridges south of
Iceland, Geochem. Geophys. Geosyst., 11, Q03011, doi:10.1029/2009GC002865.)


 Mapa Geológico Simplificado da Islândia (a seta preta indica o vulcão Eyjafjallajokull)

Não deixa de ser estranho ver um pedaço da cadeia meso-oceânica aflorando com suas rochas vulcânicas, misturadas a depósitos glaciogênicos, fluviais e transicionais, como mostra o video abaixo:
Inundação relâmpago provocada pela erupção do vulcão Eyjafjallajokull (dica de Clastic Detritus)

Mas retornando a Will Durand. No capítulo 2 do seu livro temos este trecho: "To the geologic eye all the surface of the earth is a fluid form, and man moves upon it as insecurely as Peter walking on the waves to Christ." (Para o olho geológico toda a superfície da terra encontra-se em um estado fluido, e o homem move-se sobre ela tão inseguro como Pedro caminhou sobre as ondas ao encontro de cristo). De fato as primeiras civilizações agricolas só floresceram depois que a subida do nivel do mar, após o última máximo glacial, cessou. Durante este episódio o nível eustático do mar subiu a taxas médias de 1m/século (em alguns intervalos chegou a 5m/século). Não existiam deltas com planícies litorâneas que permitissem a expansão da agricultura. Só após a estabilização do nível do mar é que os vales aluviais foram preenchidos e os deltas inciaram sua formação. A partir de então é que as condições de "estabilidade" climática e do nível do mar permitiram o avanço das civilizações agrícolas.
Sociedades complexas no mundo inteiro só surgiram após a estabilização do nível do mar, com o fim da deglaciação (clique para ampliar). Leia o artigo acima.

No sul da Mesopotâmia os primeiros Estados só puderam se formar com a progadação do delta do Tigris-Eufrades. Leia o artigo acima.

Delta dos rios Tigres e Eufrates no sul da Mesopotâmia (Fonte: http://www.archatlas.dept.shef.ac.uk/EnvironmentalChange/EnvironmentalChange.php)

 Mesopotâmia é uma palavra de origem grega que significa "entre rios". Estes dois rios, que correm pelo Iraque, e a terra entre eles, são também conhecidos como o berço da civilização.
Imagem de satélite do Delta do Tigris-Eufrates.

Apesar de vivermos no Antropoceno, e de termos criado uma Antroposfera, um termo que se por um lado chama atenção para os problemas ambientais, por outro lado gera uma certa soberba, pois inconscientemente parece indicar que dominamos o planeta, ainda somos extremamente frágeis: "Embora o planeta seja hospitaleiro no momento, ele é indiferente - eventualmente ele será letalmente indiferente - para seus passageiros humanos" (Although the planet is hospitable for the moment, it is indifferent -- eventually it will be lethally indifferent -- to its human passengers) (George F. Will). Ao que podemos acrescentar: será letalmente indiferente com Antroposfera ou sem Antroposfera! 

O vulcão Eyjafjallajokull é pequeno e o transtorno eventualmente vai passar. Em 1783-1784, o vulcão Laki, também na Islândia, causou um transtorno infinitamente maior, na Europa e na Islândia, num periodo em que a população era bem menor e não dependiamos de uma tecnologia de transporte tão sofisticada.

Para os interessados em vulcões dois blogs  sobre o tema:
Eruptions
Volcanism

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Antropocostas


No periodo 29-31 de março realizou-se em Cananéia, litoral sul de São Paulo, o Antopicosta-Iberoamérica que teve como objetivo congregar os interessados nos registros das atividades antrópicas em ambientes costeiros. O encontro foi organizado pelos  Professores Alejandro Cearreta (Universidad del País Vasco, Espanha) , João Manuel Alveirinho Dias (Universidade do Algarve, Portugal) e Michel Michaelovitch de Mahiques (Universidade de São Paulo, Brasil) e os trabalhos apresentandos foram muito interessantes, especialmente aqueles de Portugal e Espanha, cujas costas tem sido continuamente modificadas ao longo de vários séculos de ocupação humana. O pequeno clip abaixo mostra a história de abertura do Valo Grande, Iguape, Litoral de São Paulo, que desencadeou uma série de modificações ambientais na região, contada por um dos organizadores do evento, o Prof. Michel Mahiques do IO-USP (mahiques@usp.br).

 Professor Michel Mahiques, um dos idealizadores do Antropicosta, explicando a abertura do Valo Grande em Iguape - Litoral de São Paulo

 Ria de Aveiro um dos trechos da zona costeira de Portugal mais modificados (para detalhes sobre a evolução e modificações sofridas pela região use este link)

O Professor João Manuel Alveirinho Dias da Universidade do Algarve, Portugal, disponibiliza em seu "site" (http://w3.ualg.pt/~jdias/) duas de suas palestras mostrando as mudanças experimentadas pelos litorais de Aveiro (link) e de Guadiana (link).

A zona costeira, sendo uma região que sempre atraiu o exercicio de diversificadas atividades humanas, desde muito cedo experimentou os impactos desta atividade. As primeiras modificações causadas pelo homem no litoral brasileiro datam de 5000-6000 anos atrás quando grupos de pescadores, caçadores, coletores construiram os primeiros "Sambaquis", nas margens das extensas baías e estuários então existentes, tendo em vista que o nível relativo do mar se encontrava 3-4 m acima do nível atual.
 Exemplo de um sambaqui no litoral do Estado de Santa Catarina
 Grupo de coletores modernos em um banco arenoso no subúrbio ferroviário de Salvador

Detalhe da foto acima.

Mulher "sambaquieira" moderna

Na Bahia a mais antiga destas estruturas é o Sambaqui de Ilha da Ostras, no litoral norte do Estado. Sua construção se estendeu de 5100 a 3400 anos atrás e sem dúvida constituiu uma importante antropoforma na paisagem da época

.
 O Sambaqui de Ilha das Ostras no Litoral Norte da Bahia. O mais antigo do litoral baiano.

Modificações em larga escala entretanto só começaram mesmo com a chegada dos colonizadores portugueses, primeiro com a exploração do pau-brasil, depois com a construção de cidades litorâneas, fortalezas, portos e aterros. 
 A modificação em larga escala da paisagem costeira iniciou com a extração do pau-brasil, ilustrada na famosa Carta Atlântica do Atlas Lopo-Homem-reinéis de 1519

Estas modificações se intensificaram principalmente a partir do século 20, de modo que hoje a maior parte das paisagens costeiras que integram nossos cartões postais são na realidade, criadas pelo Homem, ou seja nossas costas já não podem ser consideradas simplesmente  como modificadas pelo Homem. O mais correto portanto é dizer que nossas costas foram criadas pelo homem, ou seja, são antropocostas, ou antrocostas.
  Salvador - na realidade grande parte da Cidade Baixa é na realidade resultado de inúmeros aterros (veja abaixo).

Recriação da paisagem original da Cidade Baixa de Salvador por Rubens Antônio.
Recriação da paisagem original da Cidade Baixa de Salvador por Rubens Antônio.

Vitória e Rio de Janeiro são exemplos de duas outras capitais brasileiras cuja franja litorânea foi extensivamente modificada por aterros hidráulicos.

 Vitória - as setas vermelhas indicam as áreas que resultaram de aterros hidráulicos (veja abaixo).
 Evolução das Praias do Canto e Canto da Jurema - Vitória. Estas duas praias são resultado de aterros hidráulicos

 Praia de Copacabana - 1890 - Foto de Marc Ferrez (compare com a foto atual abaixo)



Finalmente um exemplo da China. Em 1996 os engenheiros chineses bloquearam o canal principal do rio Amarelo (Yellow River) e forçaram o rio a desaguar em uma posição mais a nordeste (veja abaixo).
Delta do Rio Yellow e avulsão (mudança no canal) causada pelo Homem. Para mais detalhes veja este link de onde as imagens foram também retiradas. 


Como já havia sido chamada a atenção em outra postagem: "Focar apenas nos sistemas "naturais" sem a presença do Homem tornou-se uma abordagem obsoleta". Já não existe quase mais nada de natural em nosso planeta. Basta ver a imagem abaixo que saiu publicada na New Scientist mostrando a distribuição da malha de estradas no mundo:


Mapa mostrando distribuição de estradas no mundo (todos os tipos) (Fonte: New Scientist)

Não custa nada repetir mais uma vez Bill McKibben no seu famoso livro "End of Nature": "Nós viviamos em um mundo que achavamos feito para nós, porém agora nós é que construimos aquele mundo".