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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Aquelas Ondas - TSUNAMIS






Com o tsumani ocorrido nas Ilhas Samoa, no dia 29/09/09, o tema vai certamente voltar à cena.   


O tsunami que afetou a Sumatra em 26/12/2004, despertou uma intensa excitação sobre o tema, com a realização de simpósios, “workshops”  e publicação de números especiais em periódicos acadêmicos sobre o tema, principalmente sobre o registro estratigráfico e sedimentológico destes eventos de alta energia. Um pequeno exemplo é este número especial do periódico Sedimentary Geology – Sedimentary Features of Tsunami Deposits – Their Origin,  Recognition and Discrimination: An Introduction

Isto me fez lembrar meus anos de doutorado, mais de vinte anos atrás, quando constantemente discutiamos sobre o caráter episódico da sedimentação. Uma referência obrigatória na época era o pequeno e clássico livro de Derek Ager (The Nature of the Stratigraphic Record) com sua famosa sentença: “... the history of any part of the Earth, like the life of a soldier, consists of long periods of boredom and short periods of terror" (p. 141) ( “…a história de qualquer parte da Terra, como a vida de um soldado, consiste de longos periodos de tédio e breves periodos de terror”). Nada mais preciso para descrever não apenas o terror humano frente ao fenômeno geológico, como também aquele “experimentado” pelos demais organismos vivos.

Entretanto, o que chama mais atenção nestes fenômenos é a resiliência do ambiente natural. Poucos meses após o tsunami da Sumatra, a zona costeira já havia se recuperado como mostra o interessante artigo “Coastal Recovery following the destructive tsunami of 2004: Aceh, Sumatra, Indonesia” de S. C. Liew, A. Gupta, P. P. Wong,  L. K. Kwoh, no  periódico “The Sedimentary Record” (download livre - link).





 As fotos que ilustram o artigo mostram as mudanças dramáticas que ocorreram na zona costeira. As "feridas" rapidamente cicatrizaram, sob a forma de uma mudança na orientação da linha de costa, um truncamento em um canal de maré etc.. 


Quem trabalha na zona costeira certamente já ficou intrigado com este tipo de feição, digo, estes truncamentos.  Sempre tentamos explicar estas feições como resultado acumulativo dos processos diários. Veja por exemplo a imagem abaixo da planície de Caravelas - sul da Bahia.





Quem sabe se alguns destes truncamentos não representam o registro de um destes breves periodos de terror, destes verdadeiros pesadelos geológicos, esperando para ser descobertos?

domingo, 27 de setembro de 2009

Brasiliana - A Formação Barreiras

Menos de um século após o descobrimento do Brasil, grande parte da toponímia utilizada para descrever a costa brasileira já estava estabelecida. Os primeiros cronistas que por aqui passaram não só já utilizavam esta toponímia, como ofereceram descrições detalhadas das nossa paisagens costeiras. Nesta série, chamada Brasiliana eu gostaria de apresentar a paisagem costeira brasileira, conforme descrita por estes cronistas, complementada por uma discussão do seu significado geológico. A primeira destas é a paisagem da chamada Costa do Descobrimento (sul da Bahia), descrita em grande detalhe na carta de Pero Vaz de Caminha.                  


                                                     



".... e neeste dia a oras de bespera ouuemos vista de tera a saber primeiramente Dhuu gramde monte muy alto e redondo e doutras serras mais baixas ao sul Dele e de terra chãa com grande arvoredos, ao qual monto alto o capitam pos Nome o monte pascoal e aa tera da vera cruz....." 


 “ … traz ao lomgo do mar em alguas partes grandes barreiras delas vermelhas e delas bramcas e a terra per cima toda chãa e muito chea de grandes aruoedos" 


A Formação Barreiras bordeja a zona costeira brasileira desde o Estado do Pará até o Estado do Rio de Janeiro. Tradicionalmente tem sido interpretada como resultado da deposição em sistemas aluviais. Trabalhos mais recentes, mostram entretanto,  que a deposição desta formação se deu em parte em ambientes costeiros transicionais tais como estuários e planícies de maré, como resultado de um nível de mar alto durante o Mioceno médio-inferior. Neste link da Revista Geologia da USP, existe uma coletânea de trabalhos disponíveis para " download" . Esta é uma coletânea de trabalhos apresentados no simpósio " Significado Geológico da Formação Barreiras", ocorrido em outubro de 2005, em Guarapari (ES), como parte da programação do X Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário (ABEQUA). 


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A Zona Costeira do Brasil


... se fará tão soberano que seja um dos Estados do mundo porque terá de costa mais de mil léguas....” (Gabriel Soares de Souza 1587).


 
A zona costeira do Brasil se estende por mais de 9.200 km e apresenta grande diversidade de ambientes que evoluíram durante o período Quaternário em resposta às variações do clima e do nível do mar, suprimento de sedimentos e uma herança geológica (geologia antecedente) que data da separação entre a América do Sul e a África em decorrência do fenômeno da tectônica de placas. Esta combinação de múltiplos controles ambientais atuando em diferentes intensidades e escalas (no tempo e no espaço) produziram paisagens costeiras únicas, no sentido de que é altamente improvável que uma determinada combinação de fatores, atuando com a mesma intensidade, possa ser reproduzida duas vezes no tempo e no espaço.

A Zona Costeira do Brasil, foi subdividida, por J.M.L. Dominguez em seis tipologias básicas que apresentam características únicas. Estas tipologias ilustram a interação de vários fatores como a história antecedente, o suprimento de sedimentos, as variações eustáticas do nível do mar, o tectonismo, a ação das ondas e das marés.
Os nomes utilizados para descrever cada tipologia se referem a feições geográficas ou geológicas intrinsecamente relacionadas a contingências geológicas, ou seja, referem-se à história evolutiva da região. Algumas vezes um modificador associado a um agente de dispersão (ondas ou marés) foi adicionado ao nome da tipologia. São elas, basicamente (clique na figura ao lado para ampliar):

1. A Costa Arenosa com Alimentação Longitudinal do Rio Grande do Sul;
2. A Costa Montanhosa do Sudeste do Brasil
3. A Costa Deltáica Dominada por Ondas do Leste do Brasil
4. A Costa Faminta do Nordeste do Brasil
5. As Costas de Riftes Mesozóicos
6. O Embaiamento de Marés do Amazonas.

Se você tiver interesse em saber mais detalhes sobre esta classificação use este link, para fazer o “download” de uma versão completa deste trabalho (está em inglês). Ao longo das próximas postagens vou apresentar uma  pequena síntese para cada uma destas tipologias básicas.

Legenda da Figura: Principais tipologias da zona costeira brasileira. As setas brancas representam os principais padrões de dispersão de sedimentos no continente e na zona costeira. As linhas tracejadas mostram os principais divisores de água. O continente está representado na forma de um modelo numérico do terreno, onde as cores representam diferentes elevações. Os tons em verde representam as regiões mais elevadas enquanto aqueles em azul representam as áreas mais baixas

domingo, 20 de setembro de 2009

Origem da Baía de Todos os Santos

                                                               A Baía de Todos os Santos (BTS), está localizada no Estado da Bahia,  região costeira central do Brasil e ocupa uma área total de  1200 km2.  A BTS está implantada sobre os remanescentes erodidos  da bacia sedimentar do Recôncavo, um rifte abortado formado, durante a separação entre a América do Sul e África.  A bacia do Recôncavo durante sua evolução inicial no Cretáceo inferior, nunca foi invadida pelo mar,  e desde o final do Aptiano esteve submetida quase que continuadamente à erosão. Durante o Cenozóico o planeta experimentou um progressivo resfriamento  que pouco a pouco resultou na acumulação de gêlo em altas latitudes. Uma conseqüencia desta acumulação foi o progressivo abaixamento do nível do mar.  Esta tendência de queda foi interrompida no Mioceno inferior/médio, quando uma elevação da temperatura resultou em degelo e portanto elevação do nível do mar. A altura máxima alcançada pelo nível do mar nesta época ainda não está bem estabelecida mas se situaria entre 25 e 150m acima do nível atual dependendo da metodologia utilizada.  Associado a este episódio de nível de mar alto teriam sido depositados, na Bacia do Recôncavo folhelhos marinhos fossilíferos da Formação Sabiá e a Formação Barreiras.  A retomada da acumulação de gêlo na Antártica e o inicio do desenvolvimento dos grandes lençóis de gêlo no Hemisfério Norte, a partir do Plioceno, resultaram  no progressivo abaixamento do nível do mar. Nos últimos 2 milhões de anos, durante a maior parte do tempo o nível do mar esteve abaixo do nível atual,  desencadeando um intenso processo erosivo nas zonas costeiras. 

A origem da BTS tem sido classicamente associada a processos neo-tectônicos atuantes durante o Quaternário.  Entretanto, esta hipótese desconsiderou o papel fundamental das variações eustáticas cenozóicas do nível do mar  e seus efeitos no modelado das paisagens costeiras. Este é talvez o principal fator a determinar a origem e o modelado da BTS, que teria resultado da erosão diferencial associada a um dramático rebaixamento do nível de base. Durante a maior parte do Quaternário, o nível eustático médio do mar situou-se cerca de 30m abaixo do nível atual. Durante os últimos 500.000 anos, com o aumento na amplitude das variações do nível do mar, a posição média deste nível situou-se em torno de -45 m, ou seja próximo à quebra da plataforma atual (ponto de cachoeira = knick point).  A propagação do sinal eustático via recuo do ponto de cachoeira  pelos tributários,  resultou na ampliação e geração de novas bacias hidrográficas, ajustadas a um nível de base  situado na borda da plataforma. A tendência dos processos erosivos é de rebaixar topográficamente as áreas ocupadas pelas rochas sedimentares, que deste modo ficam circundadas pelos relevos mais altos sustentados pelas litologias mais resistentes do embasamento. 

Assim durante o Quaternário, apenas nos raros intervalos de nível de mar alto, como o que vivemos atualmente, a região topograficamente rebaixada da BTS foi inundada pelo mar, originando uma baía. A BTS é assim uma feição transitória, presente apenas nos raros intervalos de nível de mar alto, que ocorreram nas últimas centenas de milhares de anos.

Este trabalho, de autoria de J.M.L. Dominguez e A.C.S.P. Bittencourt, da Universidade Federal da Bahia, estará sendo apresentado no XXII Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário, na cidade de La Plata, Argentina, 21-23 de setembro de 2009.

Para uma cópia completa do trabalho use o link: Geologia BTS


domingo, 6 de setembro de 2009

O Banco de Santo Antônio




O Banco de Santo Antônio situado próximo à entrada da Baía de Todos os Santos, já era mencionado no ano de 1531 por Pero Lopes de Souza, em seu diário de navegação (grafado em vermelho):
Domingo, 13 dias de Março, pola menhã éramos de terra quatro légoas e como nos achegámos mais a ela reconhecemos ser a Bahia de Todolos Santos, e ao meio dia entrámos nela faz a entrada norte sul. Tem três ilhas, ua ao sudoeste e outra ao norte e outra ao noroeste, do vento sul-sudoeste é desabrigada. Na entrada tem sete, oito braças de fundo. Há lugares pedra, há lugares arêa. E assi tem o mesmo fundo dentro na baía, onde as naos surgem. Em terra, na ponta do padrão, tomei o sol em 13 graos e um quarto. Ao mar da ponta do padrão se faz ua restinga d’arêa e há lugares de pedra. Entre ela e a ponta podem entrar naos, no mais baixo da dita restinga há braça e mea. Aqui estivemos tomando ágoa e lenha e corregendo as naos que dos temporaes que nos dias passados nos deram vinham desaparelhadas”. Diário de navegação de Pero Lopes de Souza (1530-1532).
Acredito que o trecho marcado em vermelho acima refere-se ao banco, uma vez que restinga é definida com uma língua de areia ou de pedra, aflorante ou não, que partindo do litoral se prolonga para o mar. De fato o banco é muito raso e força inclusive a rebentação das ondas durante as frentes frias. (quem tiver alguma outra interpretação entre no circuito)
As descrições do Banco de Santo Antônio e sua constituição são variadas, alguns até falam que esta estrutura é formada por corais, outros que se trata de parte do delta de maré vazante associado à saída da Baía de Todos os Santos. Muitas vezes ainda é referido como o famigerado Banco de Santo Antônio, pelos naufrágios que já causou.
A cobertura do Banco é essencialmente arenosa. Próximo à Ponta do Padrão (Farol da Barra) dunas hidráulicas são comuns devido à presença de correntes de maré mais intensas.


Este é uma registro com o perfilador de fundo, perpendicular ao Banco e orientado Oeste-Leste. Espaçamento entre as linhas tracejadas horizontais - 50m. Espaçamento entre as linhas tracejadas verticais - 10m.


"Tidal Sand Ridges" estão presentes no topo do banco (áreas alongadas em azul escuro na carta náutica) e são visiveis durante sobrevoos e imagens de satélite. Os dados mais recentes que dispomos, fruto de levantamento com perfilador de sub-fundo, sonar de varredura lateral e coleta de amostras superficiais sugerem que o Banco pode até mesmo ter uma origem estrutural (alto do embasamento ???) com uma cobertura de areia. É preciso entretanto esperar ainda um pouco mais até concluirmos esta pesquisa.