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sábado, 4 de setembro de 2010

Proteção da Linha de Costa no Espirito Santo

O Estado do Espirito Santo é, no Brasil, talvez aquele que mais intervenções sofreu em sua linha de costa compreendendo obras de proteção  e construção de portos. Dois recentes projetos de recuperação de praia estão sendo finalizados na costa do Espirito Santo. Estes projetos envolveram intervenções em larga escala para conter o processo de erosão costeira. Ambos os projetos incluiram uma combinação de estruturas rígidas e engordamento de praia. As estruturas rígidas apresentaram traçados inovadores para minimizar a intervenção com o transporte litorâneo. O custo das intervenções também foi bastante elevado, algo em torno de 40 milhões de reais em cada obra.

Conceição da Barra - está localizada na extremidade norte do delta do rio Doce na desembocadura do rio São Mateus, uma área portanto de risco para ocupação devido à grande variabilidade na posição da linha de costa. Este variabilidade dentre outros aspectos é resultado da dinâmica do delta de maré vazante associado à desembocadura do rio São Mateus.
 Localização de Conceição da Barra

Desembocadura do Rio São Mateus mostrando o Delta de Maré Vazante e o trecho experimentando erosão

Projeto de proteção da linha de costa elaborado pelo DHI (Dinamarca) consistindo de um enroncamento na foz do rio São Mateus e quatro "ferraduras" posicionadas a uma certa distância da linha de costa, com o espaço preenchido com areia (aterro hidráulico) de modo a formar uma praia ampla, o que oferece uma proteção adicional contra a erosão. O posicionamento destas estruturas a uma certa distância da linha de costa tem o efeito benéfico de não impedir o trânsito de banhistas ao longo da praia.

Foto aérea da obra em implantação com duas "ferraduras" implantadas e uma delas parcialmente preenchida com aterro hidráulico ((Fonte: SkyscraperCity).


Foto aérea da obra em implantação. Observem as 04 "ferraduras" implantadas com três delas já preenchidas com aterro hidraúlico (Foto: Zé Carlos - Mucuri)


Marataízes - está localizada a sul de Vitória proximo à divisa com o Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma região que experimentava "erosão severa, porém não está associada a uma embocadura fluvial.
Localização de Marataízes

Marataizes e o trecho em erosão.

Projeto proposto pelo DHI para recuperação da praia em Marataízes. Inclui também a construção de 04 "ferraduras"e 02 enroncamentos nas terminações do trecho. A figura acima apresenta uma simulação para o periodo do verão (esquerda) e inverno (direita). Observem que o formato em ferradura dos enrocamentos minimiza a perda de sedimentos para costa-afora e mantem a praia livre para o trânsito de pedestres. Do mesmo modo que em Marataízes foi utilizado aterro hidráulico para preencher o espaço entre as "ferraduras" e a linha de costa (Fonte: DHI).

Obra em execução - "ferradura" implantada e aterro hidráulico (Fonte: SkyscraperCity).

Obra em execução - aspecto da praia após o aterro hidráulico. Observar a praia larga e desimpedida que oferece ampla proteção para a linha de costa. Ao mesmo tempo as ferraduras podem no futuro vir a ser utilizadas para projetos paisagisticos e implantação de estruturas de apoio aos banhistas (Fonte: SkyscraperCity).

Embora eu não tenha me dedicado a estudar em detalhe o processo de erosão nestas duas localidades, minha suspeita é que (principalmente no caso de Conceição da Barra), a ocupação urbana avançou na faixa ativa de variabilidade do perfil praial. Se pelo menos uma faixa de recuo adequada tivesse sido adotada na época da ocupação, grande parte do dinheiro investido poderia ter sido economizada. O problema é que na época em que a ocupação começou, muito provavelmente a erosão costeira não era uma preocupação como agora.

domingo, 22 de agosto de 2010

O Ponto de Cachoeira - Cataratas do Iguaçu

Ponto de Cachoeira ou "knickpoint" é definido como uma região ao longo do perfil longitudinal de um rio, caracterizada por uma acentuada declividade. De um modo geral um ponto de cachoeira se origina como consequencia de algum evento a jusante de um rio, e se propaga a montante, comunicando um sinal de erosão através  da rede fluvial constituída pelo canal principal e seus tributários. Uma queda do nível de base é uma dos principais processos que conduzem à formação de um "ponto de cachoeira". Este é um conceito importante na estratigrafia de sequências, pois a propagação à montante do "ponto de cachoeira", é o que termina originando os vales incisos, principalmente quando o nível do mar cai abaixo da quebra da plataforma.

As cataratas do Iguaçu são  um exemplo de "ponto de cachoeira". Um dos principais pontos turísticos do Brasil que eu tive a oportunidade de visitar por ocasião do encontro da AGU (American Geophysical Union) onde apresentei um trabalho relacionado sobre o tema.

Cataratas do Iguaçu - lado brasileiro

Fiz uma pequena busca na internet para tentar descobrir a sua origem sem sucesso. Os portais turísticos mencionam que as cataratas tem cerca de 150 milhões de anos. Na realidade esta é a idade dos basaltos da bacia do Paraná. Até mesmo o trabalho de Salamuni et al (2002) que descreve o Sitio Geológico e Paleontológico do Brasil 011 (O Parque Nacional do Iguaçu) (Link) não faz qualquer menção à origem da cachoeira.
Cataratas do Iguaçu - reparem como o rio Iguaçu é anormalmente largo em comparação com as cataratas.
Vista aérea das cataratas do Iguaçu (Foto de Zig Kock). Observem como o rio Iguaçu é encaixado a jusante das cataratas.
Vista aérea das cataratas do Iguaçu (Foto de Zig Kock). Ao fundo o Rio Iguaçu.
Este DEM (Digital Elevation Model) da região mostra o rio Iguaçu descrevendo amplos meandros, as cataratas e o lago de Itaipu no rio Paraná. Observem que o rio Paraná a jusante da barragem é muito estreito e encaixado, o mesmo acontecendo como o rio Iguaçu a jusante das cataratas. 

 Vista do rio Paraná à jusante da represa de Itaipú. Observar como o rio é encaixado.
 Represa de Itaipú

Como o rio Paraná desagua no rio da Prata, é provavel que o recuo do ponto de cachoeira no rio Iguaçu, seja resultado de algum processo de queda do nivel de base desde o Mioceno médio no rio da Prata. Se alguém souber de algum trabalho que detalhe esta história mande a referência.

sábado, 14 de agosto de 2010

A Importância da Tectônica de Placas para a Vida na Terra - Parte 1


Quando fiz minha graduação em geologia no início da década de 70, a Tectônica de Placas ainda não havia sido incorporada nos curriculos escolares. Desta forma acabei aprendendo a Teoria do Geossinclinal, um conceito que mesmo aquela época já estava obsoleto. O que me salvou foi eu ter comprado naquela época uma coletânia da Scientific American sobre Tectônica de Placas. Me rendeu uma nota dez na prova de geotectônica.
 
Geossinclinal Apalachiano - América do Norte. Fonte: http://www.uwgb.edu/dutchs/platetec/geosync.htm

 Tectônica de Placas (Fonte: USGS)

Tectônica de Placas é nos dias de hoje um tópico banal que a todo momento aparece nos documentários e reportagens sobre vulcões, terremotos e outros desastres naturais. É como se fosse a fonte de todas as misérias humanas. O que a maioria de nós talvez não se dê conta é que a Tectônica de Placas é fundamental para a vida na Terra. Sem tectônica de placas os níveis de oxigênio no planeta jamais teriam alcançado os teores atuais de 21%. 


Quando as cianobactérias começaram a realizar  fotossintese oxigênica, geraram como sub-produto oxigênio livre.  Para que os níveis de oxigênio pudessem crescer na atmosfera foi necessário, ao longo do tempo, sequestrar a matéria orgânica produzida, de outro modo a oxidação desta matéria orgânica consumiria o oxigênio gerado. 

 Estromatólitos  Neo-Proterozóicos construídos por cianobactérias - Fazenda Arrecife - Chapada Diamantina - Bahia (Fonte: http://vsites.unb.br/ig/sigep/sitio061/sitio061english.htm)

A maneira mais eficiente de sequestrar matéria orgânica é enterra-la junto com os sedimentos nas bacias sedimentares e estas são o resultado direto da movimentacão das placas. Durante a fragmentação dos continentes, bacias marginais são geradas nas quais se acumulam espessuras de vários quilometros de sedimentos. Quando estas bacias são depois envolvidas em colisão de placas estes sedimentos são  anexados aos continentes nas cadeias de montanhas. 

Estima-se que existam 10.000.000 de Gt (Gigatoneladas) de Carbono Orgânico armazenado em rochas sedimentares em todo o planeta e pelo menos 4.700 Gt de Carbono Orgânico armazenado sob a forma de combustíveis fósseis.  A retirada desta matéria orgânica do sistema é que permitiu  o oxigênio alcançar niveis suficientemente elevados na atmosfera para o aparecimento de vida animal na Terra.

Espessura Global de Sedimentos - G. Laske and G. Masters, A Global Digital Map of Sediment Thickness, EOS Trans. AGU, 78, F483, 1997.

A Terra vista do espaço profundo. O famoso "Pale Blue Dot" de Carl Sagan (Fonte: http://www.jpl.nasa.gov/news/features.cfm?feature=1223)

A Terra é  único planeta do sistema solar onde existe  tectônica de placas. Um planeta sem tectônica de placas, está fadado a desenvolver no máximo formas de vida microbianas.

sábado, 31 de julho de 2010

"Erosão Costeira" Também Pode Ser Causada pelo Homem


Erosão Costeira é um tema  muito popular e  sempre desperta a atenção da imprensa, principalmente na Região Nordeste do Brasil. Atualmente com a crescente preocupação de uma subida do nivel do mar decorrente do aquecimento global, qualquer erosão é imediatamente associada a este fenômeno. A presença de muros protegendo propriedades é normalmente utilizada como um critério da atuação do fenômeno. Poucos não se dão conta, entretanto que este raciocinio é em grande parte equivocado e que muitos destes muros e estruturas de proteção não foram construídos com o propósito de proteger uma propriedade ameaçada. Em realidade estas estruturas foram construídas diretamente em cima da faixa ativa de praia e com isto causaram uma "erosão" instantânea do prisma praial, no sentido continente-oceano, ou seja o contrário do que ocorre no fenômeno natural, quando o recuo do prisma praial se dá no sentido mar-continente.

Vejamos o caso da cidade do Salvador. Salvador tem uma topografia acidentada, caracterizada por declives acentuados próximos à linha de costa. A maior parte de suas praias são limitadas por promontórios rochosos.

A Avenida Oceânica, uma das principais de Salvador, bordeja quase que continuamente sua linha de costa.
Avenida Oceânica - Ondina. Fonte: Rubens Antônio

Em muitos trechos a Avenida Oceânica foi construída diretamente sobre a praia ativa causando causando "erosão" instantânea do prisma praial. Vejam abaixo:
Reconstrução do trecho onde hoje está incluido o Farol da Barra. Fonte: Rubens Antônio

Farol da Barra - hoje. Observe como a Avenida invadiu o prisma praial. Fonte: Rubens Antônio

Região do Porto da Barra antes da construção da Avenida Oceânica. Fonte: Rubens Antônio

Região do Porto da Barra - hoje. Fonte: Rubens Antônio

Se começarmos a reconstruir os padrões de ocupação em muitas das metrópoles brasileiras, veremos que a "erosão costeira" causada pelo homem, é muito mais comum do que imaginamos. Outro exemplo é  Recife, uma das capitais do Brasil mais afetadas pela erosão. Muitos dos casos de erosão reportados para Recife, se enquadram na categoria aqui descrita, como foi bem demonstrado pelo Projeto Mai  capitaneado pela UFPE. 

PS: levei um tempo consideravel fora do ar  escrevendo relatórios e trabalhos. Vou tentar tornar as postagens mais regulares daqui para frente


sexta-feira, 21 de maio de 2010

Accretionary Wedge - Geo-Images

This year, the geoblogging carnival, The Accretionary Wedge,  will be held at Highly Allochthonous. The theme chosen is favorite geological images.

Here is the contribution of the "Geologia Marinha e Costeira" blog:
Beach-ridges - eastern Brazil. Each ridge shows a previous position of the shoreline
Miocene sediments onlaping the Precambrian basement. The Barreiras formation has widespread occurrence in eastern Brazil.
Recôncavo basin - tilted sedimentary rocks - these are cretaceous lacustrine sediments deposited in tectonic lakes formed in rift-valley basins during South America - Africa break up. Most of the oil presently extracted from the Brazilian continental margin was generated from organic matter deposited in these lakes.
Recôncavo basin - cretaceous synsedimentary deformation affecting lacustrine sediments.
Coastal erosion - shoreline retreat does not destroy recreational beaches. It just displaces them.
Dinosaur footprints - Mesozoic sediments - Maranhão - northern Brazil.
Ebb-tidal delta - eastern Brazil. Dark color results from the small river draining wetlands rich in humic acids.
São Francisco river sand bar - the image shows two episodes of deposition. The deposits of the older episode are partially covered with thin vegetation, but individual sand waves are still visible.
The São Francisco delta river mouth - a classical example of a wave-dominated delta
Sand waves in a small river bed
 Teredolites - ichnogenus of a trace fossil. Modern equivalent are the teredinid bivalves known as shipworms.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

Erosão Costeira - Alagoas

Erosão costeira é uma preocupação muito atual nos programas de Gerenciamento Costeiro, tendo em vista as importantes implicações deste fenômeno para a ocupação da franja litorânea. Nesta postagem convidei o doutorando Adeylan Nascimento Santos, aluno do curso de Pós-Graduação em Geologia da UFBA, para falar uma pouco de seu trabalho, que dentre outros aspectos inclui o estudo da erosão costeira no Estado de Alagoas. O estudo de Adeylan fornece uma atualização de um trabalho anteriormente realizado por Araújo e colegas em 2006  (link para baixar o pdf).

"O litoral alagoano pode ser dividido do ponto de vista geológico-geomorfológico em três setores distintos (veja mapa abaixo):
Mapa geológico-geomorfológico do Estado de Alagoas, com indicação dos três setores discutidos abaixo e dos trechos de linha de costas em Equilíbrio, Erosão e Progradação (Autoria: Adeylan Nascimento Santos) (Clique para ampliar).

Setor 1 - da foz do rio Persinunga à Maceió, caracterizado pelo desenvolvimento incipiente da planície quaternária, apresenta trechos com falésias ativas na Formação Barreiras e nas rochas mesozóicas da Bacia Sergipe-Alagoas, além de inúmeros bancos de arenito e recifes de coral que formam uma ou mais linhas alongadas e descontínuas, paralelas ou adjacentes à linha de costa.
Setor 2 - de Maceió ao Pontal do Coruripe, caracterizado pelo pequeno desenvolvimento da planície quaternária, são encontradas ainda ocorrências de recifes de corais e bancos de arenito paralelos à linha de costa, e um trecho com cerca de 15 km de extensão composto por falésias ativas esculpidas na Formação Barreiras;
Setor 3 - do Pontal do Coruripe à foz do rio São Francisco, apresenta, de norte para sul, um alargamento da planície quaternária, com o desenvolvimento de extensos terraços marinhos holocênicos, recobertos, em parte, por um extenso campo de dunas costeiras".

Adeylan percorreu a pé todo o litoral do Estado de Alagoas entre 30/10 e 13/11/2006, perfazendo cerca de 240 km. Durante esta caminhada foram encontrados diversos trechos com evidências claras de erosão como por exemplo nas falésias costeiras da Ponta da Gamela e da Lagoa Azeda, assim como no litoral norte do Estado (Setor 1), um trecho teoricamente “protegido” por recifes de corais em franja e/ou bancos de arenito.

"A erosão costeira no Estado de Alagoas pode resultar de pelo menos quatro diferentes processos:

1) aumento na intensidade potencial da deriva efetiva, que favorece o aparecimento de um balanço negativo de sedimentos
2) presença de zonas de divergência no sentido do transporte litorâneo de sedimentos, que também favorece o aparecimento de um balanço negativo de sedimentos
3) topografia do fundo da plataforma continental e orientação da linha de costa, fatores fundamentais na distribuição da energia das ondas ao longo da costa e
4) ocupação inadequada da linha de costa avançando sobre o prisma praial"


As fotos abaixo exemplificam alguns destes problemas:

Estruturas de proteção costeira construídas de modo desorganizado na localidade de Barra Grande, litoral norte do Estado de Alagoas (para localização veja mapa).
Destruição de rua à beira-mar em Barra de Santo Antônio. Segundo os moradores, o mar teria avançado e destruído cerca de 15 casas nos últimos 10 anos (para localização veja mapa).
Ondas invadem áreas de barracas de praia em Pratagy (para localização veja mapa).
Construções irregulares sobre a face da praia. Observar que estas construções estão posicionadas entre uma pequena área de manguezal e o mar. Praia de Pratagy (para localização veja mapa).
Destruição de parte de um complexo esportivo na Praia de Pratagy (para localização veja mapa).
Destruição de casas na Praia de Suaçui (para localização veja mapa).
Falésias esculpidas em rochas sedimentares da Bacia Sergipe-Alagoas, na Ponta da Gamela (para localização veja mapa).
Orla do município de São José da Coroa Grande-PE. Observar construção diretamente sobre o berma praial (para localização veja mapa).
Praia de Barreiras do Boqueirão nos anos de 2006 (acima) e 2010 (abaixo).

 O clipe acima filmado por Adeylan ilustra a erosão na Praia de Barreiras do Boqueirão

Adeylan Nascimento dos Santos (adeylan.santos@gmail.com) tem Graduação em Geografia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (2003) e Mestrado em Geologia pela Universidade Federal da Bahia (2006). Está concluindo o seu doutorado em Geologia também na Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geomorfologia Costeira.