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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Deltas Brasileiros - "To be or not to be"




Bacoccoli publicou em 1971, um pequeno trabalho no Boletim Técnico da Petrobrás, com uma tentativa de classificação dos deltas brasileiros (veja figura abaixo). Neste trabalho o autor identificou uma serie de deltas na costa do Brasil que classificou como deltas altamente destrutivos ou dominados por ondas.

Os Deltas quaternários da costa brasileira segundo Bacoccoli (1971)


Posteriormente, com a vinda para o Brasil do prof. Louis Martin, da ORSTOM (agora IRD), se iniciou um programa de mapeamento sistemático dos depósitos quaternários marinhos brasileiros, que incluiu pesquisadores da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Este programa resultou na identificação de dois conjuntos de terraços arenosos associados aos niveis de mar alto de 120.000 anos (MIS 5e) e atual. Pela primeira vez foi reconhecida a existência de testemunhos de um nivel de mar alto pleistocênico na costa do Brasil (veja fotos abaixo).  


 

Ainda como conseqüência deste programa de mapeamento foram construídas uma série de curvas de variação do nivel relativo do mar, que mostraram a existência de um nivel de mar alto Holocênico, por volta de 5.100 anos AP.  Este abaixamento do nível relativo do mar, aparentemente favoreceu a progradação da linha de costa nestes últimos 5.000 anos, dando origem a várias planícies quaternárias localizadas afastadas de desembocaduras fluviais importantes. A principal diferença entre estas planícies quaternárias e os deltas identificados por Bacoccoli era a associação destes últimos com importantes cursos fluviais. Não demorou muito para se misturar as duas coisas. Veja abaixo um trecho extraido das conclusões de uma publicação de Martin, Suguio & Flexor (1993) sobre os “deltas” brasileiros (para download do trabalho completo use este link).



Este “mantra” foi repetido inúmeras vezes, inclusive por mim, que me recusava a aceitar estas áreas como constituindo típicos deltas. Acho que nossa maior falha foi desprezar os principios básicos da estratigrafia (as variáveis de Sloss como se costuma dizer - suprimento de sedimentos é uma delas). O abaixamento do nível do mar não “gera” sedimento novo. Sedimentos siliciclásticos são trazidos essencialmente pelos  rios. De fato se olharmos a figura abaixo, vê-se claramente que as grandes planícies quaternárias da costa leste estão associadas às desembocaduras dos principais rios, entre estes deltas a costa é “faminta”, com as unidades geológicas mais antigas, chegando até a linha de costa e formando falésias vivas.

 As áreas em azul são as mais baixas e correspondem aos deltas (exceção Caravelas). Observar que entre um delta e outro, quase não houve progradação da linha de costa, apesar do nivel relativo do mar ter descido nos últimos 5.000 anos.


Adicionalmente as primeiras sondagens profundas (até 40m) que estamos realizando em algumas destas áreas mostram que estas acumulações são deltas clássicos. Existe ainda muito a ser feito para compreender a dinâmica destas áreas no detalhe. 


A sensação que se tem é que naquela ocasião estavamos estudando estas  acumulações, mais ou menos da mesma maneira como se estudam os deltas de Marte atualmente, à distância, apenas com fotos e imagens. Vejam o exemplo dos sistemas deltáicos na cratera Holden NE (Eberswalde), que tem gerado igualmente controvérsias se são deltas ou simplesmente feições erosivas, se são deltas típicos ou  leques deltáicos. Referência básica: Malin & Edgett (2003) - Evidence for Persistent Flow and Aqueous Sedimentation on Early Mars. Science: 302(5652):1931-1934. Para uma palestra da Dra. Leslie Wood sobre o assunto use este link. Para uma opinião alternativa veja o trabalho de Pondrelli e colaboradores neste outro link.






Marte - Eberswald Delta (Fonte: Wikipedia)

sábado, 24 de outubro de 2009

Cordões Litorâneos - "Anéis de Crescimento das Planícies Costeiras"

No Brasil, o abaixamento do nível relativo do mar de cerca de 3-4 metros nos últimos 5.700 anos, favoreceu a progradação da linha de costa, originando extensas planícies de cordões litorâneos. Uma destas planícies é a de Belmonte situada no sul do Estado da Bahia, que faz parte do Delta Dominado ou Modificado por Ondas do Rio Jequitinhonha. Charles F. Hartt quando esteve no Brasil no século 19, assim descreveu está planície: "The plain consists of a large number of parallel beaches, one lying in front of the other, sometimes united, at others separated by miniature valleys, occasionally  only a few feet in width, but often continuous for a considerable distance. Many of these beaches have their slopes almost as perfect as if it were but yesterday that they were swept by the waves. In the depressions water accumulates, sometimes forming shallow lagoons" (HARTT, C.F. 1870, Geology and Physical Geography of Brazil. Fields, Osgood & Co. Boston, USA, 620p).

Eu sempre tive uma ligação muito forte com está região, pois foi lá que desenvolvi o meu primeiro trabalho de pesquisa (Dissertação de Mestrado). Em 1982, ainda durante a realização do meu mestrado eu publiquei um roteiro de excursão geológica à planície de Belmonte (DOMINGUEZ et al. 1982. Roteiro de excursão geológica à planície costeira do rio Jequitinhonha (BA) e às turfeiras associadas. XXXII Congresso Brasileiro de Geologia, Salvador, Bahia: 199-235. Use este link para download). Este roteiro apresenta alguns dos mecanismos de formação dos cordões litorâneos. Três tipos básicos podem ser reconhecidos:






Este é um exemplo de cordões litorâneos formados pela emersão e estabilização de bancos arenosos na porção baixa da praia/zona de surfe, principalmente em regiões vizinhas à desembocaduras fluviais e canais de maré 



Este é um exemplo de cordões litorâneos que resultaram dos efeitos de uma sobre-elevação do nível do mar durante tempestades ou marés de sizígia, quando as ondas lançam areias no pós-praia, em alturas não alcançadas pelas ondas em condições normais 


E finalmente este é um exemplo de cordões litorâneos que resultaram da contribuição de areias retiradas da face da praia pela ação do vento e depositadas no pós-praia ao encontrar a vegetação pioneira. Este tipo de cordão litorâneo tem sua origem portanto como uma duna frontal. 


As zonas entre os cordões litorâneos denominadas de regiões intercordão, normalmente por serem mais baixas, coletam mais água na estação chuvosa quando o terreno fica então mais encharcado. Isto tende a ocorrer principalmente naqueles trechos onde o cordão litorâneo teve como origem a estabilização de bancos arenosos,  o que faz com que a região intercordão seja originalmente mais baixa.

Todos os cordões litorâneos de uma maneira ou de outra são afetados pelo retrabalhamento eólico, que alcança sua maior expressão, naqueles cordões que  tiveram sua origem como dunas frontais.



O estudo da geometria, orientação e padrões de truncamento dos cordões litorâneos pode fornecer uma grande quantidade de informações, sobre a evolução destas planícies, os padrões de dispersão de sedimentos e os episódios pretéritos de erosão severa que afetaram a linha de costa. Estas feições representam portanto "anéis de crescimento" destas planícies, constituindo um registro da história evolutiva das mesmas.





quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Areias Congeladas pela Frialdade da Água do Mar



Rochas de Praia ou "Beach Rocks" são o resultado da cimentação rápida de sedimentos praiais por carbonato de cálcio. Esta cimentação é normalmente superficial e se estende até um máximo de 3-4m.  Uma rápida busca na literatura mostra que a quase totalidade dos trabalhos publicados consideram que a cimentação ocorre na zona intermarés, como resultado de um destes processos: (i) supersaturação de carbonato de cálcio através da evaporação direta da água do mar, (ii) CO2 “degassing” de águas do freático na zona vadosa, (iii) mistura do águas do freático marinho com águas meteóricas e (iv) precipitação de micrita como um sub-produto da atividade microbiana.

O fato é que já em 1587, Gabriel Soares de Souza, assim descreveu a origem destas feições:  “... mas depois se descobriu outra pedreira melhor, que se arranca dos arrecifes que se cobrem com a preamar da maré de águas vivas ao longo do mar, a qual pedra é alva e dura, que o tempo nunca gasta....  e acham-se muitas vezes no âmago destas pedras cascas de ostras e de outro marisco, e uns seixinhos de areia, pelo que se tem que esta pedra se formou de areia e que se congelou com a frialdade da água do mar.....”.  Ou seja rochas de praia são areias congeladas pela frialdade da água do mar.

Numa recente revisão sobre o assunto Vousdoukas e colaboradores (2007), afirmou que o Brasil, junto com a Grecia e Austrália é um dos estados costeiros com o maior número de ocorrências de rochas de praia (veja figura abaixo). De fato na região nordeste do Brasil se encontram exemplos espetaculares de rochas de praias. Estes autores até mesmo apresentam uma pequena foto de uma rocha de praia em Salvador, Bahia. Fica entretando dificil saber onde foi tirada esta foto.



"Hot Spots" de ocorrências de rochas de praia (Vousdoukas e colaboradores, 2007)



Entretanto, ao ler este e outros trabalhos a impressão que se tem é que  os mesmos enfatizam aquelas rochas de praia que se formaram na face da praia, enquanto nós temos vários exemplos de rochas de praia que apresentam estruturas sedimentares (estratificações cruzadas) indicativas de uma deposição na zona de surfe.








Muito poucos trabalhos foram realizados sobre as rochas de praia no Brasil. Alguns estudaram o processo diagenético de cimentação (veja por exemplo o trabalho recente de Vieira e de Ros - 2006), outros utilizaram estas estruturas para a reconstrução de paleo-niveis marinhos ou no estudo de fenômenos neotectônicos. A revisão de Vousdoukas e colaboradores (2007) cita apenas 04 trabalhos publicados sobre as rochas de praia no Brasil.

É interessante notar que apesar de ser uma presença tão marcante no litoral estas feições tenham recebido tão pouca atenção dos pesquisadores nacionais.  Lembro que no congresso internacional da IAS (International Association of Sedimentologists), realizado em Recife, Pernambuco, no ano de 1994, o Prof. Robert Ginsburg, mostrou-se muito entusiasmado e impressionado com as rochas de praia em Pernambuco, e também questionava porque ninguem tinha interesse em estudá-las.

A comunidade nacional que atua na zona costeira está devendo portanto um trabalho de síntese sobre as nossas rochas praia, principalmente no que diz respeito ao ambiente deposicional destas feições, especialmente aquelas mais antigas, formadas sob condição de nível de mar mais alto que o atual, como as que ilustram está postagem. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Blog Action Day 2009 - Climate Change: Erosão Costeira e Mudanças Climáticas





Nas discussões sobre os impactos do aquecimento global na zona costeira, uma ênfase muito grande é dada à subida do nível do mar, como o principal mecanismo causador de erosão generalizada da linha de costa. 


É preciso  ter um pouco de cuidado com este tipo de generalização, pois esta ênfase exagerada pode desviar nossa atenção de outros aspectos do aquecimento global com implicações tão ou mais importantes para a erosão costeira. 



Me lembro que umas duas décadas atrás o "mantra" continuamente repetido era de que 70% das linhas de costa do mundo estavam experimentando erosão e que a causa principal desta erosão era a subida do nível do mar. Quando fizemos o diagnóstico sobre o comportamento da linha de costa do Estado da Bahia, nossa conclusão foi de que apenas 26 % da linha de costa baiana, que apresenta um comprimento total de  1054 km, apresentava-se em erosão (veja abaixo ou faça o download do artigo completo utilizando este link).







Acho que até hoje não temos uma compreensão adequada para explicar muitos casos de erosão da linha de costa.  Em 1999 durante o Congresso da ABEQUA de Porto Seguro, foi realizada uma excursão de campo até o sul da Bahia. Ficamos hospedados em um hotel em Prado, num trecho da linha de costa que experimentava erosão (foto abaixo):






Agora em 2009 tive a oportunidade de retornar ao mesmo local e a praia esta completamente recuperada (observem a posição da escada nas duas fotos).






No mapa acima,  este trecho de linha de costa foi classificado como exibindo um comportamento erosivo, uma vez que a coleta de dados para a confecção do mesmo foi efetuada no periodo 1999-2003. Conclusão: quando se trata de erosão da linha de costa, é importante definir o intervalo temporal de análise.


As mudanças climáticas, associadas ao aquecimento global,  podem  alterar a freqüência direcional das ondas que atingem a linha de costa, desencadeando episódios de erosão severa da linha de costa. A costa leste do Brasil é particularmente sensível, pois neste trecho se verifica uma inversão sazonal no sentido dominante da deriva litorânea e qualquer mudança, mesmo que pequena, na freqüência direcional das ondas, pode alterar o sentido do transporte resultante final. 


A análise da geometria dos cordões litorâneos nas planícies arenosas da costa leste brasileira, indicam a existência de um episódio de erosão severa, que afetou a região por volta de 1,0-1,2 ka AP. Este periodo coincide, mais ou menos com o “Periodo Medieval Quente”, quando as temperaturas no Hemisfério Norte se encontravam relativamente mais altas, em comparação ao periodo imediatamente subsequente (“Pequena Idade do Gelo”). Este episódio de erosão severa estaria associado com uma inversão no sentido do transporte litorâneo promovido pelas ondas, que neste periodo foi dominantemente para sul. 


O “Periodo Medieval Quente” é frequentemente invocado nas discussões sobre aquecimento global, como uma possível situação análoga ao que estariamos enfrentando nas próximos décadas. A discussão sobre as mudanças climáticas parece estar sobremodo concentrada nos episódios meteorológicos extremos e na subida do nível do mar. Existem processos, entretanto, como o mencionado acima, que atuam de forma talvez mais insidiosa, mas que ao final podem resultar em prejuízos econômicos muitos maiores que aqueles associados ao eventos extremos. 


No Brasil, existe uma rede de pesquisadores interessados em estudar os efeitos das mudanças climáticas nas Zonas Costeiras. É a sub-rede Zonas Costeiras (Coordenada pelo Prof. Dr. Carlos Garcia - FURG) da Rede Clima (MCT) e do INCT para Mudanças Climáticas (CNPq - Coordenado pelo Dr. Carlos Nobre - INPE).

 





sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Geologia e Geofísica Marinha, Arqueologia e Granulados


Doggerland é o nome de uma extensa planície que existiu no mar do Norte, conectando a Inglaterra ao resto da Europa e que foi completamente inundada durante a subida do nivel do mar após o último máximo glacial (aprox. 20.000 anos atrás). 





No início do século passado embarcações de pesca recuperaram em suas redes, restos de animais terrestres,  ferramentas líticas e instrumentos de caça e pesca, datados do Mesolítico. Este termo é utilizado para designar um periodo da pré-história que se inicia por volta de 10.000 anos e se encerra com o aparecimento da agricultura. 



Doggerland foi objeto de uma ambicioso projeto de mapeamento do fundo e sub-fundo marinho denominado de The North Sea Palaeolandscape Project, que cobriu uma área de cerca de 23.000 km2 do assoalho marinho. O projeto foi financiado pelo com recursos do Aggregates Levy Sustainability Fund, criado especificamente para lidar com problemas decorrentes da extração de agregados do fundo marinho (uma taxa  de £1.60 por tonelada é cobrada na venda dos granulados).


Este foi um projeto pioneiro e fascinante, exemplo de uma investigação verdadeiramente interdisciplinar envolvendo arqueólogos, geólogos e geofísicos marinhos e a indústria de extração de agregados. A PGS – Petroleum Geo-Services cedeu uma série de levantamentos de sísmica 3-D realizados na região, dos quais foram extraídos os primeiros milisegundos. Estes dados sísmicos, integrados a dados arqueológicos e geológicos, permitiram reconstruir a paisagem de Doggerland antes de sua inundação pela subida do nível do mar durante o Holoceno, e escolher alvos para trabalhos futuros de prospecção arqueológica.







Cubo sísmico ilustrando relações crono-estratigráficas entre feições Holocênicas e mais antigas



Quem tiver interesse pode fazer o "download" de um arquivo kml e visualizar diretamente no Google Earth, a paisagem reconstruida (use estes dois links:  link1  e  link2).





Eu tive a oportunidade de ler dois livros que resultaram deste projeto. Excelentes relatos de um estudo de caso mostrando a interação entre a Geologia e a Geofísica Marinha, a Arqueologia, a Indústria de Granulados Marinhos e a Indústria do Petróleo:







No Brasil ainda não temos uma indústria de extração de granulados marinhos ativa. A CPRM (Serviço Geológico do Brasil) vem desenvolvendo um projeto de mapeamento de granulados marinhos em algumas áreas selecionadas da plataforma continental brasileira. 
A arqueologia subaquática brasileira (veja o site do CEANS - Centro de Estudos de Arqueologia Náutica e Sub-Aquática) tem se preocupado com a preservação dos sítios de naufrágios na costa brasileira. Porém até onde eu sei não existem projetos em desenvolvimento no Brasil com a abordagem utilizada em Doggerland.


Por volta de 10.000 anos atrás, no início do Holoceno, nossa plataforma continental, principalmente na região nordeste do Brasil, estava completamente exposta (veja figura abaixo). Nesta época o homem já havia chegado à América do Sul. É portanto razoável supor que uma parte do registro arqueológico do nosso homem pre-histórico esteja soterrada nos paleo-estuários que cortavam nossa plataforma naquela época.







Links Relacionados:
BMAPABritish Marine Aggregate Producers Association
MALSF - The Marine Aggregate Levy Sustainability Fund
Seabed Prehistory Project - Wessex Archaeology



quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Antropicosta


Parece que eu não vou mais me livrar mais do Antropoceno. 
Os colegas Alejandro Cearreta (Universidad del País Vasco, Espanha) , João Manuel Alveirinho Dias (Universidade do Algarve, Portugal) e Michel Michaelovitch de Mahiques (Universidade de São Paulo, Brasil) estão organizando um "workshop" denominado ANTROPICOSTA - IBEROAMERICA, a ser realizado em Cananeia no periodo 27 de março - 01 de abril de 2010. O site do evento e: www.antropicosta2010.com.br

O objetivo do evento é justamente investigar o registro das atividades antrópicas nos ambientes costeiros. As inscrições para submissão de trabalhos estão abertas até o dia 20/10/2009.
Para finalizar na semana passada saiu publicado na Nature um artigo de J. Rockström e colaboradores intitulado "A Safe Operating Space for Humanity" (veja figura abaixo) (para download use o link).



Para comentários e discussões sobre este artigo acessem: www.ecotope.org/blogs/



terça-feira, 6 de outubro de 2009

Antromas


Antromas são biomas antropogênicos, resultantes da interação direta e sustentada do homem com os ecossistemas incluindo agricultura, urbanização, silvicultura e outros usos da terra.


Antroma do tipo "Cropland" (Lavoura)

No ano passado foi publicado o primeiro mapa dos biomas antropogênicos do mundo:

Ellis, E.C. & Ramankutty, N. 2008. Putting people in the map: anthopogenic biomes of the world. Frontiers in Ecology and the Environment 6(8): 439-447 (Link para download).

Estes autores também organizaram um excelente portal sobre o tema (http://www.ecotope.org), com vários produtos para "download". Dentre estes um arquivo no format kml para visualização do mapa diretamente no Google Earth (link para download).


Lendo o artigo de Ellis & Ramankutty, não posso esquecer da postagem anterior, pois reforça ainda mais a idéia de que estamos vivendo realmente no Antropoceno. Antromas já substituiram quase completamente alguns dos nossos biomas, como é o caso da Mata Atântica na zona costeira.

Paul Shepard em seu livro Coming Home to The Pleistocene, fez a seguinte observação: “Prehistoric humans, in contrast, were autochthonous, that is, “native to their place”. They possessed a detailed knowledge that was passed on from generation to generation by oral tradition through myths – stories that framed their beliefs in the context of ancestors and the landscape of the natural world. They lived within a “sacred geography” that consisted of a complex knowledge of place, terrain, and plants and animals embedded in a phenology of seasonal cycles”.

Ou seja, faz muito tempo que nós não temos mais qualquer relação com o mundo natural, nós estamos de fora do mundo natural. Nossa relação com a natureza é asséptica, apenas através de  fotografias e documentários.

Acho que todos que leram esta postagem estão mais ou menos na mesma situação. Agora nós somos autóctones apenas dos nossos antromas. Eu mesmo passei quase toda minha vida em algum tipo de antroma Urbano:


Antroma do tipo  "Dense Settlement"  (Assentamento Denso) (Urbano)




sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Bem-Vindo ao Antropoceno


Antropoceno é um termo proposto no ano de 2002, pelo prêmio nobel Paul Crutzen, para descrever o mais recente periodo (época) da história da Terra. Seu início coincidiria com a Revolução Industrial, a partir da qual as atividades humanas começaram a ter um impacto global nos ecossistemas e no clima terrestre.

Me lembro que algum tempo atrás (10-15 anos) se falava muito em Quinário/Tecnógeno para descrever os últimos milhares de anos, quando o homem passou a constituir um novo agente geológico no planeta.  Se falava então em depósitos tecnógenos, ou seja formados como resultado da atividade humana. Este é um termo pré-aquecimento global, quem sabe fadado ao desuso. Antropoceno é um termo que apesar de muito mais recente, parece estar ganhando cada vez mais espaço.

No ano passado Dr. Jan Zalasiewicz e colegas da comissão de estratigrafia da Geological Society of London discutiram se seria realmente necessária a criação de uma nova época geológica (o Antropoceno) e onde colocar o seu limite. Detalhes podem ser encontrados no interessante artigo “Are we living in the Anthropocene?” (use o link para download livre).



A conclusão que eles chegaram: “Sufficient evidence has emerged of stratigraphically significant change (both elapsed and imminent) for recognition of the Anthropocene—currently a vivid yet informal metaphor of global environmental change—as a new geological epoch to be considered for formalization by international discussion”.

Portanto anotem:  o Holoceno já terminou, agora vivemos no Antropoceno.  Analizem o gráfico abaixo, extraido deste artigo e reflitam um pouco.


Comparação de alguns dos principais " trends" estratigráficos nos últimos 15.000 anos ( segundo Jan Zalasiewicz e colaboradores)


O mesmo Dr. Jan Zalasiewicz,  lançou no final do ano passado um livrinho muito interessante intitulado:  The Earth After Us: What Legacy Will Humans Leave in the Rocks? Embora em muitos trechos pareça ser mais um relato de como geólogos e paleontólogos trabalham, o livro coloca uma questão interessante: Se daqui a 100 milhões de anos (a esta altura nós já estaremos certamente extintos),  seres de um outro sistema solar pousarem na Terra, que evidências eles encontrarão, preservadas nas rochas, de que um dia nós já habitamos os quatro cantos deste planeta. 





Nosso legado talvez seja muito reduzido e certamente melhor visualizado em sedimentos marinhos, como uma camada de argila, de expressão global, com uns poucos centimetros de espessura, capeando as plataformas carbonáticas e se estendendo até os sedimentos de águas mais profundas. Esta camada teria uma assinatura isotópica indicativa de um influxo maciço de dióxido de carbono e sua deposição culminaria  um rápido processo de extinção de espécies. Seu registro polínico (quando presente) seria indicativo de um empobrecimento generalizado da diversidade da cobertura vegetal nos continentes, a qual estaria representada essencialmente por espécies domesticadas pelo homem.

Talvez não muito diferente do que ocorreu no início do Eoceno (55 milhões de anos atrás). Veja ilustrações abaixo.


Fonte: modificado de Wikipedia